O blog convidou o vereador Ney Lopes Júnior para comentar algumas questões em torno da convocação do ex-prefeito Carlos Eduardo, para depor à CEI dos Medicamentos. A seguir, os principais trechos da entrevista.
BLOG: O senhor acredita que o ex-prefeito Carlos Eduardo poderá invocar argumento jurídico para não depor?
Ney Lopes Júnior: Maior que o direito do ex-prefeito não depor é o direito soberano do povo saber a verdade, custe o que custar. Neste caso há obrigações legais e éticas a serem respeitadas. Ninguém está incriminando de véspera o ex-prefeito Carlos Eduardo. A Câmara Municipal exercita apenas o seu papel fiscalizador, assegurado no artigo 31 da Constituição, que prescreve: “a fiscalização do Município será exercida pelo Poder Legislativo Municipal, mediante controle externo, e pelos sistemas de controle interno do Poder Executivo Municipal, na forma da lei.”
BLOG: É fundamental o depoimento do ex-prefeito?
NJ: O nosso desejo é assegurar democraticamente ao ex-prefeito amplo e total direito de defesa, através da colheita de suas declarações, sem constrangê-lo. Tudo de acordo com o princípio da legalidade. Não se trata de tribunal de exceção. Vale lembrar que uma CEI possui três fases obrigatórias. A primeira é a coleta de documentos sobre o fato investigado, reunindo o maior número de registros formais. A segunda é a fase de vistorias, inquirição de testemunhas e pessoas que possam trazer ao inquérito elementos que não constam dos documentos. A última é necessariamente o cruzamento de todas essas informações para conclusão do fato investigado. A legislação e a jurisprudência consagram que a oitiva de testemunhas deve ser precedida por mandado de intimação para prestarem depoimento e a assinatura de termo de compromisso no momento da oitiva, onde a testemunha se compromete a dizer somente a verdade, podendo responder pelo crime de falso testemunho.
BLOG: O senhor declarou que se o ex-prefeito não atender a convocação da CEI será usada a prerrogativa de convocá-lo judicialmente, aplicada por analogia uma lei federal. O que isso quer dizer?
NJ: Aqui cabe uma explicação constitucional e jurídica. Em razão do pacto federativo consagrado no texto constitucional vigente, os dispositivos constantes da Constituição Federal (artigo 58, parágrafo terceiro) e da Lei Federal n° 1.579/52 constituem a base jurídica, que autoriza a aplicação das regras do processo penal às Comissões Especiais de Investigação, instituídas pelas Câmaras Municipais. Os resultados de uma investigação desse tipo deverão interpretar no relatório final o princípio da moralidade da administração pública, consagrado na Constituição Federal, que determina que os atos de improbidade administrativa importam até em suspensão dos direitos políticos dos responsáveis, perda da função pública, indisponibilidade dos bens e o integral ressarcimento ao erário público, na forma e gradação previstas na Lei Federal 8.429/92. Observe-se que a história da democracia é contada pelo parlamento. Municipal. É no Poder Legislativo municipal, que ressoam as primeiras aspirações populares, o que garante ao município lugar de destaque no cenário da Federação Brasileira pelo exercício das funções legislativa, fiscalizadora, administrativa auxiliar e julgadora por exceção. Notadamente o exercício da função fiscalizadora tende a engrandecer a atividade da Câmara Municipal. Por isto, não podem haver limitações originárias de quem tenha o dever de esclarecer fatos e prestar depoimento.
BLOG: Fala-se que existe jurisprudência, proibindo que as Câmaras Municipais convoquem para depor terceiros ou estranhos, que não sejam funcionários públicos municipais.
NJ: Esta jurisprudência não se aplica ao caso da convocação do ex-prefeito Carlos Eduardo. O STF realmente decidiu, que nas investigações parlamentares municipais não cabe compelir estranhos ou terceiros para depor, com base na lei 1.579/52. Ocorre que o ex-prefeito Carlos Eduardo não é estranho, nem terceiro, no caso da investigação de compra de medicamentos vencidos. Mesmo não sendo atualmente funcionário municipal, ele era o chefe supremo da administração pública, à época das ocorrências. O artigo 55 da lei orgânica do município de Natal estabelece a responsabilidade do prefeito para planejar e promover execução de serviço público municipal, no âmbito das suas atribuições. Deduz-se, que as ações da Secretaria de Saúde municipal estão inseridas na área da responsabilidade de quem governava Natal à época dos fatos, ora em apuração. Mesmo que tenha ocorrido delegação de poderes, esta delegação não transfere a responsabilidade; ela permanece, ainda que tenha sido delegada a prática do ato a um secretário municipal. A Lei orgânica do Município de Natal prevê no artigo 7° que cabe a administração zelar pela saúde, higiene, segurança e assistência públicas. No artigo 10 dispõe que cabe ao “Prefeito a administração dos bens municipais”. Trata-se de responsabilidade objetiva, ou seja, decorre do próprio texto da Constituição Brasileira, artigo 37 § 6°”.
BLOG: Quer dizer que uma investigação no município é igual a uma investigação do Congresso Nacional?
NJ: Quem assegura tal identidade é o próprio Supremo Tribunal Federal, quando decidiu no RE-96049-0, em que era recorrente a Câmara Municipal de Itápolis, que é indubitável a prerrogativa das Câmaras Municipais criarem Comissões de Inquérito sobre fato determinado e certo, nos moldes que a Constituição federal autoriza “à Câmara e ao Senado, as Constituições estaduais autorizam às Assembléias Legislativas e a Lei Orgânica dos Municípios autoriza às Câmaras Municipais”, além do próprio Regimento Interno das Casas Legislativas. Fica claro que a Câmara Municipal não pode e não está legitimada a aplicar a responsabilização civil, criminal ou administrativa, mas a Constituição e a legislação lhe asseguram o direito de uma ampla investigação. O Estado Democrático de Direito prevê o equilíbrio de ações entre os poderes para a garantia da democracia. Portanto, cabe a Câmara Municipal o cumprimento da função investigativa para que os demais órgãos do estado possam também cumprir as suas respectivas funções. Os poderes da CEI encontram-se, portanto, vinculados ou subordinados ao principio constitucional da legalidade.
BLOG: O ex-prefeito Carlos Eduardo diz que não sabia de nada e que os seus secretários já esclareceram tudo por isto é desnecessária a sua presença na CEI. O que diz sobre esta declaração?
NJ: O artigo 143, inciso XI da lei orgânica do município de Natal é claro e peremptório de que é dever do município o “controle de medicamentos, como bem social, garantindo e assegurando sua dimensão técnico-científico e social quando do acesso à população, quer na rede pública, quer na rede privada, quer na rede beneficente ou em qualquer outro tipo de serviço”. O inciso II, do mesmo artigo 143, impõe que o município de Natal exerça a fiscalização da qualidade dos medicamentos. Ainda, o mesmo artigo 143 estabelece como dever da administração municipal oferecer condições de trabalho, capacitação e reciclagem permanentes para a execução das várias atividades administrativas, incluindo-se a saúde pública. A responsabilidade pela condução da administração obviamente é do Prefeito à época. Portanto, somente o ex-prefeito Carlos Eduardo pessoalmente poderá esclarecer se esses dispositivos de lei foram cumpridos ou não e quais as justificativas. Acho tudo tão claro como a luz do sol.
BLOG: O ex-prefeito Carlos Eduardo pode comparecer e silenciar?
NJ: O Supremo Tribunal Federal tem concedido liminares para afirmar a garantia contra a auto-incriminação. Ninguém pode ser obrigado a produzir provas contra si mesmo, daí porque o convocado não fica obrigado a confessar ou até mesmo a falar perante a Comissão Legislativa de Inquérito. Na condição de testemunha, todavia, ele fica obrigado a prestar os esclarecimentos necessários, em relação aos seus auxiliares.
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